BRANQUEAR O MPLA, CONSPURCAR A OPOSIÇÃO E ACUSAR PORTUGAL

A Cedesa, entidade que estuda assuntos da África Austral mas com destaque para Angola e que tem sede em Lisboa, diz que o país se tornou “um aliado importante” dos EUA e que “um falhanço americano” nas relações com os angolanos seria “um falhanço global” da estratégia norte-americana face à China.

“A atitude dos EUA face a Angola sempre foi ambivalente, e não será agora que irá enveredar por um caminho de confronto, quando Angola se tornou um aliado importante, por dois motivos muito reais”, começa por referir a Cedesa numa análise com o título: “Eleições angolanas de 2022 e os Estados Unidos da América”.

Segundo aquele grupo de académicos (cujo director-geral é Filipe Delfim Santos, também Conselheiro Cultural do Instituto Camões, e Rui Santos Verde director de Investigação e do Departamento de Estudos sobre a Corrupção), Angola tornou-se um importante aliado dos EUA, porque, sobretudo com a liderança de João Lourenço, o país “tem desempenhado um papel de pacificação na sua zona de influência”.

“Relembre-se que Angola ajudou a uma transmissão pacífica e eleitoral na República Democrática do Congo (RDC), tenta estabelecer alguma tranquilidade entre o triângulo RDC, Uganda e Ruanda, além de ter contribuído decisivamente para a recente paz na República Centro-Africana (RCA)”, referem no documento.

Os académicos da Cedesa recordam também que, na RCA, “o Presidente Touadéra destacou o papel fulcral desempenhado pelo Estado angolano na obtenção da paz”.

Assim, “Angola é um aliado da paz dos EUA em África e, obviamente, os americanos não vão desleixar o apoio e colaboração diplomática e militar de Angola para a tranquilidade africana”, afirmam. Ao mesmo tempo, “é um forte baluarte contra qualquer penetração do terrorismo islâmico”, acrescentam.

Mas para a Cedesa, há ainda um outro motivo pelo qual o país se tornou aliado dos EUA e que tem a ver também com a sua estratégia de política externa face à China: “É nítido que Angola segue actualmente uma nova política externa, pretendendo ‘descolar-se’ da excessiva dependência da China”.

“Ora, atendendo à sua experiência com a China de quem foi pioneira da intervenção em África e da tentativa actual de uma política estrangeira mais ocidental, Angola constitui uma plataforma experimental por excelência para a política dos EUA face à China, onde se testarão as verdadeiras implicações dessa política e até onde irá o empenho americano para contrabalançar a China”, consideram os analistas.

Por isso, concluem que “um falhanço americano com Angola será um falhanço global da sua aproximação estratégica à China”. “Aqui, tal como na Guerra Fria em relação à União Soviética, se vai medir a realidade da acção americana relativamente à China”, sustentam.

Para a Cedesa, o foco da estratégia dos EUA “foi colocado na China e no seu controlo e mais geralmente na Ásia”.

“A concorrência estratégica” é o quadro através do qual os Estados Unidos vêem a sua relação com a República Popular da China, referem no documento.

“Os Estados Unidos abordarão a sua relação com a RPC a partir de uma posição de força”, na qual trabalharão em estreita colaboração com os seus aliados e parceiros para defender os seus interesses e valores, recordam.

Neste contexto, para a Cedesa, não há dúvidas sobre o que os EUA desejam de África: que “não lhes dê chatices e propicie alguns lucros económicos”.

No seguimento dessa estratégia, os EUA têm entregado uma boa parte da luta antiterrorista a França e contam que os países africanos garantam a estabilidade local, prosseguindo fortes alianças com alguns deles, indicam.

E só se o interesse e a segurança nacionais norte-americanas forem afectadas pelo terrorismo islâmico, “os Estados Unidos intervirão fortemente”. “Não existe qualquer apetência dos EUA em se colocarem por dentro de qualquer imbróglio em África”, lê-se no documento.

“Tudo ponderado não parece que a Administração Biden [do Presidente dos EUA] embarque em qualquer hostilização ou mudança em relação ao governo de João Lourenço, pois isso não corresponde aos interesses americanos face à África e mesmo em relação à China”, concluem.

Pelo que, “todos os rumores noutro sentido, devem ser vistos como parte da luta interna angolana e não qualquer posicionamento musculado americano”, considera.

Os rumores a que a Cedesa se refere são os de “um possível interesse acrescido dos Estados Unidos nas eleições angolanas”, que poderiam levar a que a potência ocidental exigisse que o acto eleitoral no país africano tivesse observadores internacionais imparciais, que garantissem a verdade eleitoral. Além da “ameaça de possíveis sanções ao governo de João Lourenço se não acatasse essas recomendações americanas”.

“Em concreto, anuncia-se que a Administração Biden tem estado a ameaçar com a aplicação de sanções financeiras, restrições de vistos e proibições de viagens contra governantes que prejudiquem as eleições nos seus países. Daí extrapola-se que estará a fazer o mesmo em relação a Angola”, menciona ainda a Cedesa na análise.

A posição de Portugal. A desberlinização em curso

Segundo a Cedesa, estabelecida que está a relevância da intensificação das relações de Angola com Espanha e a Turquia, coloca-se uma questão óbvia: e Portugal?

Portugal tem tentado ser o parceiro por excelência de Angola, e para isso tem-se acomodado, no passado, aos vários ímpetos da governação angolana.

Actualmente, escreve a Cedesa, existem boas relações políticas entre Angola e Portugal. Ainda recentemente, João Lourenço afirmou o seguinte: “Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países.” Acrescentando ainda que as “relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.”

Não existem dúvidas que estão estabelecidas relações favoráveis entre Angola e Portugal. A isso ajuda também que Portugal conta com três laços que se fazem sentir todos os dias; os laços históricos, os laços culturais, sobretudo linguísticos, e os laços emotivos.

“Contudo, e apesar do contentamento expresso pelo Presidente angolano naquilo que diz respeito às boas relações entre os dois países, há questões estruturais que lançam sombras no relacionamento e tornam a posição de Portugal menos relevante para Angola do que no passado, gerando alguma cautela da parte angolana em relação a demasiados envolvimentos com Portugal”, escreve a Cedesa, acrescentando: “Efectivamente, há um declínio da posição portuguesa em Angola, face a Espanha ou à Turquia, ou à Alemanha, França ou Reino Unido. Há uma desberlinização em curso da política externa angolana”.

João Lourenço verá Portugal como aliado na CPLP, “mas não como porta de entrada ou plataforma para a Europa. Aí quer relacionar-se directamente a cada um dos países europeus em concreto. A velha ideia que perpassava nalgumas chancelarias europeias que os assuntos angolanos eram específicos de Portugal e deviam ser tratados a partir, ou pelo menos, com o concurso de Lisboa (que chamamos berlinização), terminou. Cada um dos países europeus lida agora com Angola sem a intermediação portuguesa e vice-versa”.

Este facto “resulta essencialmente de três factores. Um de natureza económica, e dois de natureza política”.

“Em primeiro lugar, Angola procura nesta sua incursão pelo mundo países com potencialidade e capital para investir. Está à procura de capital para desenvolver a sua economia. Ora Portugal, saltando de crise em crise e tendo uma manifesta falta de capital para o seu desenvolvimento, muito menos terá meios para deslocar para Angola. E no famoso Plano de Recuperação e Resiliência português não se encontra nada específico para investimento em África ou Angola em concreto. Consequentemente, não havendo provisões destacadas para Angola no Plano português, bem se percebe que o país africano terá de ir procurar massivos investimentos noutras paragens”, considera a análise da Cedesa.

“No entanto, acreditamos que este não é a principal causa para o declínio relativo da posição portuguesa nas prioridades da política externa angolana. Existem outras duas razões, aliás interligadas”, refere a organização, acrescentando que, “neste sentido, existe um factor que tem causado a inquietação da actual liderança angolana face a Portugal. Este factor reside no facto de no passado próximo, Portugal ter constituído aquilo a que o Financial Times de 19 de Outubro qualifica como o local onde a elite rica (e corrupta) de Angola coleccionou troféus em activos, uma espécie de recreio dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos e de outros membros da oligarquia. Ora, a governação angolana, aparentemente, olha com alguma desconfiança para Portugal devido a isso, sobretudo, considerando a intervenção que bancos, advogados, consultores e toda uma panóplia de prestadores de serviços portugueses tiveram no branqueamento e ocultação de activos adquiridos com dinheiro ilicitamente saído de Angola. Há o perigo de todas estas entidades estarem a desenvolver esforços para prejudicar o famoso combate contra a corrupção encetado por João Lourenço”.

A Cedesa escreve também que “o que se verificou durante os anos de crescimento feérico de Angola, entre 2004 e 2014, sensivelmente, é que Portugal funcionou como íman para as poupanças e rendimentos dos angolanos. As elites dirigentes angolanas em vez de investir o dinheiro no seu país foram investi-lo, ou meramente parqueá-lo em Portugal, com consequências desastrosas para Angola, que se viu sem o capital necessário para tornar sustentável o seu crescimento. O raciocínio que se poderá atribuir ao governo angolano é que Portugal deixou que o dinheiro angolano obtido ilicitamente fosse branqueado no seu sistema económico e financeiro com tal profundidade que agora é de recuperação muito difícil. Ana Gomes, sensatamente, sempre alertou sobre isto. Na verdade, se repararmos em relação a activos recuperados por Angola com grande significado ainda não houve notícia pública que algum deles proviesse de Portugal. Houve os 500 milhões de dólares que vieram de Inglaterra, mas em Portugal, a EFACEC foi nacionalizada pelo governo português- e bem do ponto de vista do interesse nacional de Lisboa- mas percebeu-se que Angola não receberia nada daí, como também não se vê um caminho claro de recebimento de outras situações”.

“A este fenómeno adiciona-se um segundo que se nota presentemente. Lisboa está a servir como plataforma para a articulação mais ou menos dissimulada de fortes ataques da oposição ao governo angolano. Seja através de consultoras, imprensa ou escritórios de advogados. Neste caso, ao contrário eventualmente, do caso dos investimentos e possíveis branqueamentos, essas actividades decorrerão de acordo com a lei e as protecções adequadas dos direitos fundamentais. No entanto, criará um mal-estar na liderança angolana, que possivelmente verá uma ligação entre os dois fenómenos, isto é, entre o facto de Portugal ter sido um safe heaven para activos angolanos obtidos ilicitamente, no passado, e agora se tornar um local de encontro e conspiração da oposição, sobretudo, à chamada luta contra a corrupção. Percebe-se que muitos dos movimentos ocorrem em Portugal e as suas elites continuam a ajudar aqueles que foram apelidados por João Lourenço como “marimbondos”, seja em termos judiciais, seja na procura de novos locais para esconderem o seu dinheiro”, dizem os “peritos” da Cedesa.

Considera a Cedesa que “em termos concretos, o episódio da nacionalização EFACEC aliado à recente decisão judicial de “descongelar” as contas de Tchizé dos Santos em Portugal, e à generalização de uma corrente anti João Lourenço em largos espaços da comunicação social portuguesa, embora constituam decisões ou atitudes que se justificam em termos políticos, legais ou éticos em Portugal, são eventos que fazem reforçar alguma desconfiança angolana face à atitude portuguesa, que podem ver a antiga potência colonial numa espécie de jogo de sombras”.

Mas há mais, de acordo com a Cedesa: “Estas situações que se têm alargado nos últimos meses, estão a provocar algum desconforto em Angola, que poderão considerar Portugal como uma espécie de porto seguro para actividades que prejudicam o país. Paulatinamente, as conspirações oriundas de território português abundam, como as reuniões, encontros e demais eventos”.

Folha 8 com Lusa

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